18 de setembro de 2014

Quando o coração foi parar no divã


Em boa parte da minha vida, meu coração se manteve preguiçoso, pulsando o suficiente para viver. Mas por alguns momentos, ele teimou em bater de um jeito mais intenso. Não me dava conta desse descompasso cardíaco, nem comunicava às autoridades médicas. Acha que a razão simplesmente não cabia naqueles momentos. Nessas horas, perdia o sono, a concentração, o juízo. Acabei pagando por isso.  


Já dobrando os 30 anos, na esquina da frustração com o desencanto, voltei a sentir aquele pulsar estranho. Só que dessa vez, deixei meu lado poeta de lado e assumi a poltrona do médico-psiquiatra. Coloquei o sentimento no divã:

- Fale, meu amigo. Por que a essa hora? De uma forma tão aleatória? Não me diga que foi a... 

[ ... ] 

- Mas não pode ser! Você não pode se alterar todo por alguém que nunca viu. Entendo que ela pode parecer ser bonita, atraente e inteligente, mas você mal falou com ela. Aquilo era só um perfil digital. Ninguém altera 80% os BPMs por isso. Convenhamos! Use teu lado inteligente do ventrículo esquerdo e me diga se isso faz algum sentido.

[ ... ] 

- Sim, já assisti aquele filme. Como chama mesmo? Her, né?

[ ... ] 

- Ok, Seu Joaquim Phoenix de Guarulhense. Pois eu lhe pergunto: ela te ajudou a instalar algum aplicativo no celular? Te deu direções via GPS para chegar até o hospital quando você estava com dor de cabeça? Te fez companhia nas noites que você simplesmente não conseguia dormir? 

[ ... ] 

- Viu! Sua ideia de ser-humano digital está bem longe da eficiência da Scarlet Johansson. Lamento, mas seu caso é grave, vou até prescrever um ansiolítico. Mas se piorar, vai ter que tomar Prozac. Na veia. 

[ ... ] 

- Claro que receito! Aliás, veia é o que você mais tem. Se bem que já tenho uma noção da causa. Olhando o Guia Médico de Tecidos moles, acho que seu caso é clássico. Você foi pego por um vírus. Seu desarranjo está batendo assim por uma... ideia.

[ ... ] 

- Pode parar! Não me venha dizer que estou delirando. O paciente aqui é você e a consulta custa caro.

[ ... ] 

- Olha, os sintomas são justamente esses. Um baticum desritimado fruto de uma ideia que se alojou no apêndice auricular direito. Uma ideia de podia estar chegando um outro coração bonito, inteligente, criativo e bem composto para ser tudo o que você sonhou um dia. Alguém encaixe direitinho nos seus sonhos ventriculares. É ou não é?

[ ... ] 

- Eu sei, meu amigo. Não há o que se lamentar. Acontece com todo coração. Acredite. Mas é bom você se ligar.

[ ... ] 

- Por que? Oras, isso não é a primeira vez, né? A hora que acaba o período de incubação do vírus, logo você percebe que do outro lado não existe nenhuma criação divina. De repente, vai descobrir que ela tem um dedo torto, espirra engraçado e ou tem buço. Talvez possa até gostar da Paula Fernandes. Daí o que acontece? Me diga?

[ ... ] 

- Viu… você já sabia do que eu estava falando. Mas alguém já te explicou como se pega isso?

[ ... ] 

- O nome da causa é simples. Stress.  

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- Sei bem que todo mundo hoje sofre disso hoje em dia. Mas no seu caso, é de outra ordem. Se chama Stress Paixonizíaco. É quando você vai guardando dentro de você esse desejo de acelerar por muito tempo. Vai guardando, guardando até ele explodir. Como um vulcão ou uma espinha de adolescente.  

[ ... ] 

- Sim, é isso aí! Esse é o problema! Acaba sendo sentimento mais egoísta. O outro vira uma desculpa pra explodir. Você está querendo é se enganchar em alguém pra deixar o coração acelerar. Mas não daria para acelerar esse beat diante apenas da beleza da própria vida. Independente do outro? Será que essa paixão não consegue existir só com você? Ou melhor, entre a gente? Não dá pra deixar o outro fora dessa história?

[ ... ] 

-  É. acho que me expressei mal. Talvez não seja colocar o outro fora. Mas talvez é seja vibrar acelerado com a própria vida. Assim quando alguém aparecer de verdade e fizer sua pressão sangüínea subir você não vai ter todas essas dúvida, nem vai estar perdendo seu tempo no meu consultório. Provavelmente vai estar lá fora feliz da vida. Batendo acelerado, como numa corrida. Só que dessa vez em dupla. E não com um perfil digital, nem uma idealização que não existe. 

[ ... ] 

- Toma… pega aqui um lenço. 

[ ... ] 

- Obrigado, mas não precisa me agradecer. Só toma mais cuidado. E a consulta custa 100. 

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