*Texto escrito ao som de “Ave Maria no Morro” tocada por João Gilberto.
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A morte de João Gilberto não é só um adeus a um dos maiores nomes da música.
Ela põe em definitivo o silêncio e a sensibilidade na lista das espécies em extinção.
Afinal, a vida que levamos hoje não comporta mais a pausa. E ela era tudo o que ele tinha para nos dar.
A música que acontecia entrecortada por pausas. A vida que nos dava tempo para sentir.
Fui ouví-lo de novo e no descuido comecei a querer cantar junto. Foi bem difícil.
João faz divisões fonéticas que dificultam a vida de qualquer cantor de chuveiro.
- “Madaaaame diz que a raça não melhora, que a vida piora”.
- “Madame diz que a raça nããããão melhora, que a vida piora”.
João fez músicas para se ouvir no silêncio não só nos seus shows, mas na vida.
João Gilberto antecipou em meio século o exercício de Mindfullness.
Mas se os seus dedos tocavam o violão por horas, os nossos hoje só digitam. Ferozes e ansiosos.
Nossa vida não tem mais o espaço para a pausa. Fomos engolidos por um eterno scroll down ladeira abaixo.
“Uma pessoa conhecida. Nossos sentimentos à família, tá ok?”, afirmou o Presidente em perfeita sintonia com essa vida (ou cova) rasa.
O Brasil de hoje já não é mais de Joãos. É de Jairs. “O Brazil não merece o Brasil” já previa Aldir Blanc.
Mas, enquanto seguimos procurando a felicidade de arranha-céu, para todos aqueles que não querem “já ir” se acostumando, celebrem João Gilberto.
Seus dedos e sua voz continuará nos colocando mais pertinho do céu.
De onde hoje ele deve seguir feliz, cantando com seu banquinho e violão.
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