25 de agosto de 2014

Diário de bordo de um líder capitão em construção

Era por volta de meio-dia. Fazia duas horas que pedalávamos naquelas montanhas. Eu ia na frente, escolhendo os caminhos, cuidando para não errar. Ela vinha atrás, buscando me acompanhar. Às vezes, ela não conseguia e ficava pra trás. Entretido com o mapa, com o tempo e o caminho, eu mal notava. De repente, me via sozinho. Parava e tratava de esperar.

Fiz isso algumas vezes e, enquanto isso, ia me poupando.

Foi quando chegamos bem em frente a uma grande montanha. Muito íngreme.

Senti que era hora de me colocar à prova. Vinha treinando há meses para enfrentar um desafio daquele.

Não pensei duas vezes. Abaixei a cabeça e comecei a pedalar. Aos poucos, ia passando algumas pessoas que empurravam suas bicicletas. Me sentia ótimo. Estava bem concentrado. Evoluía devagar, mas de forma constante. Até que as pernas começaram a dar sinais de cansaço. A bicicleta bambeou. Mas não. Não seria aquele dia que iria perder. Suor. Batimento acelerado. Falta de ar.

Mas quando tudo estava no limite, cheguei ao topo. Superei aquele monte dos infernos. Vitorioso!

Vitorioso?

Nem pouco.

Na ânsia de me superar, olhei tanto em mim que esqueci que eu fazia parte de uma dupla. Ela havia ficado pra trás. Parei em uma bifurcação e decidi esperar.

Depois de alguns minutos, ela apareceu e não vinha com uma cara muito alegre. Mais do que ter dificuldade em completar o trecho, seu pneu havia furado. Ela ficou pra trás e sem ter com quem contar pra resolver o problema.

Senti que havia errado, mas não dei tanta importância naquele momento.

Mas, ao voltar um século na história, percebi a gravidade do meu erro.

Há exatamente 100 anos, no mesmo hemisfério que eu e minha parceira estávamos, o explorador Ernest Shackleton viveu uma das maiores aventuras do homem na terra.

Inspirado pelas grandes descobertas, Shackleton tentou cruzar a Antártida a pé. Porém ele nunca chegou lá. Seu barco ficou preso em uma massa de gelo no mar de Weddell. Ele e mais 27 homens em 1914! Sem ter pra onde ir. Sem ter a quem chamar. Sem internet, nem Whatsapp.

Pra piorar, o barco foi pressionado pelas massas de gelo e acabou destruído. A tripulação ficou à própria sorte por quase dois anos.

Durante todo esse tempo, Shackleton não abandonou em nenhum momento seu posto de capitão. Não abdicou da responsabilidade sobre aquelas 27 vidas.

Nos dois anos naquele deserto de gelo, ele decidia pelos mantimentos, elaborava planos de fuga e gerenciava os ânimos para que nenhum de seus homens deixasse de acreditar que era possível. Pensou no seu time o tempo inteiro.

Seus próprios homens diziam:

“Para a liderança científica, o melhor é Scott; para viajar depressa e com eficiência, Amundsen; mas quando você está numa situação perdida, quando parece que não há mais saída, ponha-se de joelhos e peça a Deus que seu chefe seja Shackleton”.

Em maio de 1916, pela força do próprio grupo e a dedicação de um verdadeiro líder, todos os homens chegaram a salvo na ilha da Geórgia do Sul.

Só a força do grupo para sobreviver às condições mais extremas já seria uma grande lição - aguentando molhados frios de -28ºC!

Mas a obstinação do capitão pela segurança do grupo me mostrou que ainda tenho muito que evoluir nessa matéria.

Desculpa parceira pelo meu erro. Ainda sou um líder em construção.

Mas ainda bem que era só um pneu furado.

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