Ainda nem bem eram dez da manhã, bateu uma fome daquelas no trabalho. Nessas horas eu sempre arrependo de ter ficado alguns minutos a mais na cama e deixar o café apenas na lembrança.
Como as coisas estavam um pouco tranquilas, resolvi dar um pulo no bar.
Chegando por lá, como de costume, me deparei com nobres figuras que davam o ar da graça. Tinha gente de tudo quanto é tipo, como Seu Milton, viúvo da saudosa Dona Iraci e Seu Nelson, mestre de obra que tem a voz de outro grande Nelson, aquele do Cavaquinho. Enfim, todos por lá, com seus cafés e pãos na chapa. Todos eu já conhecia e sem dúvida tinham muita história para contar.
Mas o que me chamou atenção não foi a discussão para ver se o Keirrison seria o próximo Evair Matador do Palmeiras. Mas sim, uma senhora que estava sentada na mesa bem ao fundo, ao lado da porta do banheiro.
Chamei o Ruivo do Asfalto e perguntei quem era aquela senhora que logo às dez da manhã carregava um ar de oito e meia da noite.
- Cara, não sei não. Chegou ai, sentou e não falou com ninguém. Ultimamente o povo anda meio cabisbaixo... é a Crise!
- Crise, é? (Perguntei sem entender)
Fiquei tão encafifado que resolvi bater uma caixa com a senhora:
- Bom Dia, Dona...
- Dona Crise, ao seu dispor.
- Parece-me preocupada...
- Trabalhando muito meu filho, ando tão cansada...
- Cansada, Dona Crise? Mas nem são onze horas...
- E meu trabalho lá tem hora? É noite eu tô na China, madrugada no Japão, manhazinha Estados Unidos e agora aqui na Penha. Se eu não tomar esse cafézinho eu não dou conta.
- Mas Crise, você não acha que está reclamando demais não? Ficou tanto tempo longe e agora que mal pega no batente, já está cansada?
- Foi só eu voltar de férias para ver o quanto de trabalho que eu deixei para trás. Só hoje eu tenho que mandar embora uns 80 mil. Só hoje! Isso sem falar no estresse emocional que eu passo. Veja você, ontem eu mesmo mandei uns 50 mil pais de família embora e 25 mil mulheres grávidas. É gente com prestação de carro, casa, computador para pagar. É só eu chegar que começa a choradeira. Eu também tenho estômago, poxa..
- Nossa, não queria estar na sua pele...
- Não queira... sem falar que as condições do meu trabalho são péssimas. Não tenho a menor qualidade de vida. É só eu chegar para aparecer colunistas, jornalistas, economistas, todos para me pertubar. Até presidente da república vem me apurrinhar.
- Já pensou em contratar um Assessor de Imprensa?
- E você já viu Crise contratar? Meu trabalho se resume a uma pessoa só... Não estou aguentando mais...
- Já pensou em negociar a demissão?
- Eu não negocio nada, não aprendi a negociar. Além do mais, não teriam como pagar o meu FGTS. Eu faço esse trabalho desde que o homem trocou o primeiro saco de feijão por um arado...
- Díficil, Dona Crise.
- Bom, meu amiguinho, o papo está muito bom, mas preciso ir agora. Tenho coisas para fazer.
- Entendo. Aliás eu vou também. Afinal já estou aqui um bom tempo e preciso voltar para o trabalho. Se meu chefe me pega aqui, já viu...
- Hum... quem é seu chefe?
- Meu chefe é o Jair da Contabilidade.
- Ah, bom, se você encontrar com ele, diga que estou procurando pelo Danilo.
Daí a coisa ficou preta... a Crise estava justamente na minha cola. Precisei sair correndo.
- Olha Dona Crise, acho que você não vai conseguir falar com ele não. Ligou agora de manhã dizendo que estava com a maior dor de cabeça e não veio trabalhar.
- Droga... bom então avisa que eu volto outra hora, poder ser? Até logo!
(Até logo o cacete, pensei!)
Cheguei no trabalho assustado. Pela tarde, redigi mais de cinquenta relatórios, fechei cinco balanços e disparei mais de duzentos currículos para todo mundo que conhecia.
4 comentários:
KKKkk Clap, clap, clap! Congratulations man, ótemo texto. AMi!!!
adorei! Parabens.
adorei! Parabens.
hahahahaha...demais!
é, a crise chegou até nos seus textos.
bj Amanda
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