28 de março de 2013

Sábia

Foram 28 anos de espera.

Nesse meio tempo, foi necessário trocar muitas fraldas, aguentar muitos choros, acordar de madrugada. Depois foi preciso acordar cedo para levar para escola, buscar na escola, levar no inglês, buscar no inglês. Levar no cinema, buscar no cinema. Primeiro com as amigas, depois com o primeiro namorado. Depois veio o segundo e o terceiro. "Poxa, essa menina não se acerta nunca?" Até aparecer um cara mais sério, firme de propósito.

A coisa parecia que ia bem até a primeira briga. Então foi a vez dela aparecer de novo para consolar, dizer que as coisas não eram assim, que era preciso ter cabeça. "Veja eu e seu pai... tantos anos", dizia.

O tempo foi passando, o namoro se consolidando até o dia do anúncio.
Foram 28 anos de espera para ver a filha noiva. Em um ano realizaria o maior sonho de sua vida. A felicidade parecia não ter fim.

Parecia.

Pois junto com o anúncio, meses depois, dentro de uma sala de cinema, sentiu uma pontada de dor na barriga. Uma dor firme que a fez sair diretamente para o hospital. O tempo na sala de espera foi aumentando, aumentando, até o veredito.

O câncer, recém detectado, já havia se alojado no pâncreas e no fígado.

Para todos a notícia caiu como um faca. Menos para ela, que com a força guerreira que acomete as pessoas nesses momentos, deixou-se pouco abalar. Seguiu em frente.

Enfrentou as quimioterapias, as dores profundas e a sensação de tristeza que teimava em aparecer. Era realmente emocionante ver seu esforço e sua dedicação. Sabia que não podia deixar-se abalar. Seu sonho estava próximo. Justo agora.

Mas a doença também não deu trela. Na mesma medida em que ela se esforçava, a doença respondia. Foram lutas intensas e o corpo acabou pagando a conta.

Na véspera do, talvez, maior evento de sua vida, teve de ser levada às pressas para o hospital. As dores eram intensas. Ela mal conseguia se manter em pé. Quem é que explicaria a inteligência divina naquele momento? Tão perto.

O dia do casamento chegou.

A filha passou seu tempo entre o salão e o hospital. Cabeça, não tinha nenhuma. Mal conseguia pensar que em poucas horas estaria entrando na igreja. Quem dera sua mãe pudesse estar ali para ter o orgulho dever que sua dedicação transformou uma pequena garota em uma linda mulher, um alinda esposa.

Poucas horas antes do casamento, a situação no hospital era grave.

Ela mal conseguia se colocar em pé. Passou o dia inteiro deitada, frustrada, à base de soro. Triste, não acreditava que aquele desengano pudesse estar acontecendo. Foram 28 anos de espera.

Havia chegado o momento.

O momento em que um pequeno pensamento, como um vaga-lume, passou bem enfrente a sua cabeça. Esse pequeno pensamento foi crescendo e se tornou um sentimento de força, coragem, determinação e fé. Quando se viu, ela, que havia esperado 28 anos, mal cabia dentro de si.

Com uma força que nem mais a avançada das ciências explicaria, se pôs em pé.
Ela viveria, sim, aquele momento. Depois de tantos anos de espera.

Com ajuda dos familiares, arrumou-se. Linda, colocou seu vestido azul de esperança. Quando todos os padrinhos estavam prontos para entrar, ela chegou. Com o sorriso que sempre carregou no rosto e o carinho que sempre carregou nas mãos, cumprimentou a todos. Estava vivendo seu sonho.

A filha enfim entrou na igreja. As duas se olharam com a cumplicidade que jamais vou conseguir descrever aqui. Do lado esquerdo da catedral, ela viu sua filha casar.

Agora era hora de festa. Muita festa.

Mas a doença voltou a cobrar a atenção. A febre tinha voltado a subir e a dor nos pés a prendia na cadeira da mesa central de convidados.

Mas aquele pequeno pensamento vaga-lume voltou a dar sua luz.

Depois de 28 anos de espera, aquele era um dos momentos mais felizes de sua vida.

Ela sabia que sua doença era séria e que talvez não lhe restasse muito tempo de vida. Decidiu agir. Decidiu se importar apenas com a felicidade que sentia ao ver sua filha casar. Decidiu celebrar a vida. Decidiu levantar-se e dançar com todos. Pulou feito menina. Cantou "It's raining man, aleluia". Cantou "YMCA". Cantou "Macho Man".


Nessa hora aprendi uma lição muito sábia.

Aprendi ali o significado da expressão "viver o momento".

Eu mesmo dancei abraçado com ela e pude sentir a vibração de felicidade que carregava. Imagem que vou ter comigo para o resto da vida.

Que noite para todos nós!
Que presente ela pôde nos dar ali!
Que lição!

As músicas, enfim, diminuíram.
A noite, enfim, terminou.

Seu sonho estava completo.
Sentia-se completa.

A doença, infelizmente, progrediu e ela faleceu.

Será que Deus a deixou ficar um pouquinho a mais só para viver o seu sonho ou para nos dar essa sábia lição? Nunca vamos saber.

Mas a lição aprendida é lição passada adiante.

Por isso resolvi contar essa incrível história. De uma atitude sábia, de uma pessoa sábia...

...chamada Sabina.

Um comentário:

Anônimo disse...

Amiga,quem diria o Dan escrever coisas tão profundas e verdadeiras... Amo vc... Que todos vcs tenham mta força... bjks da amiga Ro...