24 de novembro de 2013

É grave, doutor?

Doutor, carrego dentro de mim algo estranho. 

Ele está situado bem abaixo da linha do peitoral e um pouco acima do umbigo. Pela última ressonância laboratorial, essa coisa estranha se assemelha a uma bolota feita de pequenas fibras verdes entrelaçadas. Perguntei para o técnico do laboratório o que era e ele disse que talvez fosse um “sentimento”. 

Você consegue ver isso, Doutor? Sentimento é uma bolota cheia de fios verdes que se mexem em movimentos circulares abaixo da linha do peitoral e um pouco acima do umbigo?

Doutor, quando essa bolota se mexe, eu fico estranho. Inquieto. Não consigo concentrar, focar. Por que é que me sinto assim?

Já estou com ela há algum tempo. Mas como não cuidei, parece que essa bolota cheia de fios verdes cresceu e começou a ocupar o lugar do coração.


Digo isso, porque ela parece estar de alguma forma associada à relação que tenho com mulheres e ao amor. Não com uma mulher específica. Mas entre eu e todas as mulheres do mundo. Ou a falta de uma, em específico.

A medida que essa bolota vai ocupando o espaço dedicado ao membro central pulsador de sangue e amor, todo o resto do meu corpo parte para uma postura de defesa e aciona anticorpos que impedem que meu coração fique vazio. Nesse momento, meu corpo inteiro é tomado por uma sensação de desconforto e irritação, com aumento repentino de pressão e sudorese.

Com isso, sou acometido de espasmos físicos que me impulsionam a abrir o Facebook e a checar o perfil daquele antigo affair que um dia eu desejei e que poderia ter sido algo. Nunca foi. 

Essa atitude de defesa corporal me faz checar todas as suas fotos divertidas e sempre sorridente. Acompanhar todos os seus posts. Ler todas as referências que posta em sua timeline. Porém, essa atitude de contra-defesa feita para evitar que aquela bolota ocupe os espaços tem tido um efeito adverso.

Ao checar o sorriso daquela garota, a cor de seus cabelos e outros pequenos detalhes da sua vida banal, a bolota se mexe de forma ainda mais efusiva. Parece ocupar de forma ainda mais rápida o espaço do coração.

Sabe Doutor, parece que acabo entrando em uma disputa da qual sou apenas o espectador. Um UFC repentino entre meu coração e a bolota verde. Com ligeira vantagem à bolota verde, ocupando praticamente todo o centro do ringue.

Esse processo, ficou um pouco mais agudo nos últimos meses dado aos avanços digitais do amor.

Parece que minha bolota disforme, verde e fibrosa é estimulada pelo uso constante de aparelhos móveis inteligentes e de um aplicativo específico, o Tinder.

De nome fofo, esse app tem provocado movimentações consideráveis à minha bolota fazendo ela crescer exponencialmente em direção ao meu coração. A batalha está praticamente vencida.

Doutor, se você não conhece, no Tinder sua face é exposta e avaliada pelas mulheres e vice-versa. E por um simples toque, sua vida pode se aproximar ou se afastar de outra para sempre. 

Assim, num descuido do dedão, destinos poderão se cruzar. Ou não. Famílias poderão se juntar. Ou não. Filhos poderão nascer. Ou não. Lápides poderão ser construídas para toda uma nova família ser enterrada. Ou não. 

Você consegue imaginar o peso de um dedão nessas horas, Doutor? Pois é.

Meu corpo em uma atitude de desespero, vendo que acompanhar a timeline do Facebook da tal senhora já não oferece o mesmo efeito, me impele a abrir esse tal de Tinder.

Acontece que o mundo é muito grande e meu corpo pouco inteligente achou que a melhor forma de solucionar esse descompasso psico-biológico que carrego é se jogar em uma roleta russa do amor e esperar resultados.

Ao acompanhar minha vó no bingo de toda quarta, vi que remediar sentimento torto com jogos de azar não me parece uma solução adequada.

Por isso, peguei a carteirinha do convênio e resolvi te procurar. 

Existe algo que o senhor possa fazer à respeito? Estou um pouco preocupado. 

Vai que daqui a pouco essa boleta verde, gosmenta, fibrosa, com líquido aquoso e com aparência e aspecto de miojo esquecido na panela com água de pia do fim de semana ocupe de vez o espaço do coração. 

Aí já viu. Lá se vai mais um poeta do mundo.

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