7 de janeiro de 2009

Madrugada

Estou sozinho neste casarão. Muitas almas me fazem companhia. Pela janela vejo o jardim que um dia brilhou em flor. Eu, ainda menino, corria por camélias e hortências, mas fui me perder por uma Rosa.

Filha de Tereza, Maria Rosa, aquela moça de pela alva foi a desgraça da minha vida. De rubro, apenas meu rosto quando a via.

E hoje, no fim da vida, é nela que penso.

Queria poder dar um grito de desespero e expurgar esse câncer que Rosa me deixou. Mas o que me resta é essa tosse tuberculosa.

O casamento já estava arranjado com Odilia, moça ordinária, filha do Desembargado Fonseca.

Se ao menos Odilia tivesse os peitos de Maria Rosa... Se ao menos Odilia tivesse a pele alva de Maria Rosa... Leite de Rosas, cheiro de rosas em pura virgindade.
Rosa me queria, eu sempre soube disso. Mas optou por calar seu desejo. Aprisionou o dentro de sua alcova. Amedrontou o com a figura do Sargento Rodrigues, seu marido e homem de bons costumes.

Tudo não poderia acabar pior.

A bala que deitou Maria Rosa está hoje alojada em meu coração.

Tosse..

As almas que me acompanham inundam essa casa de lembrança, mas o tiro em Maria Rosa, ali no quarto, faz do criado-mudo a única testemunha única vil. Muda.

A enfermeira vem me acordar. São 19h30. Preciso tomar meu remédio.

É tudo uma escuridão. Apenas a mão alva cruza a noite com remédios na ponta de uma colher. Poderia ser a mão de Maria Rosa, mas ela era dama demais para roer suas unhas.

Tenho uma sonolência. Durmo levemente.

Escuto tiros e acordo. São 1h30.

Ao pé da cama, Odilia me fita:

- O que você quer mais, Odilia? Me diga? Não vê que eu já sofro demais deitado nessa cama? Para você isso já não basta? Some Odilia! Eu te odeio! Some-te daqui, vai pros inferno! Tu nunca fostes mulher para mim, sabes disso. Você não é Maria Rosa.

Toda madrugada esse fantasma me assombra. Sempre às 2 horas. Sempre após o tiro.

Fecho os olhos. Quero morrer. O que há para um moribundo como eu nesta terra?
Durmo. Estou morrendo?

Não sinto minhas mãos. Estou morrendo!

O quê? Rodrigues? Seu canalha, você não vai me levar. Tua mulher nunca foi tua!
Enfermeira! Não me saem as palavras...

Penso em Deus. Será que todos na hora da morte apenas ele é o único refúgio?

Posso sentir a bala caminhando pelo meu coração.

Est... estou... tre... trem... tremendo. Mal con...sigo comp... compor as palavras...
Um sangue explode do nariz. A folha já não é mais branca. O Rubro de Rosa está em todas as palavras.

A escuridão está turva!

Enferm... Enferm...ela já está tão longe agora...

Não Odilia! Some-te!

Os olhos se entregam ao último piscar dos olhos. Olhos que nunca se abrirão mais.
Rosa? Amor, já está de madrugada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Braaaavooo (clap, clap, clap) BraaavoOOOoo!

Anônimo disse...

nossa... q triste.. será q morrer é assim? pude sentir-me como alguém q morre lendo seu texto... é isso q gosto em seus textos... eu sinto e vivo todas as emoções das palavras... impressionante.
bjo Amanda