23 de novembro de 2015

Calabar

Já faz muitos anos essa história. Tantos que hoje já posso falar dela com carinho. Sem tristezas, arrependimentos, mágoas, nada. Só como um momento mágico que eu vou guardar com muito carinho. 

Era o show do Calabar. Ainda éramos quase estranhos um para o outro. Vivíamos naquele limbo dos casais em feto em formação. Medíamos as palavras, escolhíamos por horas a roupa para esse primeiro encontro. Ela decidiu levar algumas amigas para não ir sozinha naquele primeiro, e ainda tão casual, encontro. 

Nos encontramos naquele Sesc, logo bem perto de começar o show. Trocamos meia dúzia de palavras que hoje já nem me lembro mais o que era. Eu estava tremendo por dentro. Logo estava me comportando como os humanos se comportam quando se quer algo que está tão próximo e ao mesmo tempo léguas de distância. Ela sentou e eu sentei bem ao lado dela. Como numa sessão do cinema da tarde. O show começou. 

O som de Calabar ressoava o meu coração. Minha pele vibrava com o calor dela. Sobre a peça, sobre os atores, não sei muito dizer. Mas sobre o vestido à meia altura dela, esse sim, eu sei bem falar. Não conseguia tirar os olhos dele. E o cabelo então? Lisos, castanhos, cheirando shampoo recém-lavado. Ah, se os cientistas da Unilever soubessem o que eles causam com suas fórmulas químicas. Aposto que os cientistas estavam apaixonados quando chegaram naquela fórmula. 

A peça seguia. E a cada ato eu ia ficando mais aflito. A cada fala do ator, a cada suspiro da platéia eu suspirava mais. O tempo estava passando e ela ali do meu lado. Eu inerte, não conseguia me mexer. Ah, se eu deixasse o coração tomar conta do cérebro. Minha boca já estaria naquele pescoço. Sentindo o cheiro do seu perfume. Contando tudo o que eu aflito estava querendo dizer. Que ela estava linda, que ela poderia ser minha, que eu queria fazê-la feliz o máximo que eu pudesse, que minha vida estava pronta pra receber. O coração falaria tudo ali. Mesmo que depois pudesse se arrepender. Mesmo que ela não pudesse ouvir nada por conta das palmas de mais um ato que se encerrava. 

E o som subia para uma nova cena. Palmas na platéia para acompanhar a banda. Aí meu deus! Era o último ato. Estava logo no fim. Ela ali entretida com os atores, com a música. Sorrindo como se eu simplesmente não estivesse ali. Droga, mais uma vez eu ia perder o bonde. Era mais um amor que ia passar pelos meus olhos e só ficar na minha imaginação. 

Clímax no palco. Clima pegando fogo dentro de mim. O coração pulsando cada vez mais forte. O cérebro regulando cada vez mais. Uma grande revolução acontecia na praça. A polícia cerebral tentando conter a massa cardíaca que tentava avançar sem controle. Até um ativista apaixonado escapou. Foi só um. Mas o suficiente para minha mão levantar e cair em cima da mão dela. Como nos tempos antigos. A mão dela estava quente. Minha barriga ficou congelada com seu calor. Meus dedos escorreram pelos dedos dela e, ela, como se estivesse esperando por aquele momento a noite inteira, retribuiu o carinho com sua mão leve, macia de creme Nívea. 


Aquele foi nosso primeiro contato físico. De muitos outros que se seguiriam pelo ano seguinte. Um dia, com o mesmo calor que tudo começou, tudo teve o seu fim. Mas nessa noite, só quero lembrar daquele frio na barriga que senti com o calor da sua mão. Um sentimento tão angustiante, tão horrível, tão desesperado, que mal posso esperar para senti-lo de novo um dia. 

Um comentário:

MARIA ANTONIETA OLIVEIRA disse...

Poucas sensações são tão prazerosas quanto a do toque da mão quente seguida do frio na barriga, na maioria das vezes acompanhada do tímido sorriso que tenta, em vão, camuflar o descompasso do coração acelerado!